MOACIR BOGO : “CAUSOS” DE VINHOS, LICORES E ITALIANIDADE

21 de janeiro de 2024 às 21:28

 

Marquei com Moacir um bate-papo na Piazza Italia. Março ou abril de 2002. Queria criar uma confraria de vinhos, convida-lo  a participar e avaliar o local para os encontros. Tinha assumido a representação dos vinhos/espumantes da Valduga, deixando para trás  o tempo de executivo.

Ficou muito animado  com a ideia e juntos analisamos o espaço do restaurante Milano. Batemos martelo.Lugar ótimo. No lado havia um espaço também muito aconchegante da família Borgonovo, com  mamma Olga nas caçarolas e o marido Adilson no salão. Conceito de pratos  rústicos italianos (fortaia e polenta a campagnola eram meus preferidos) .Lugar  aconchegante, aliás como é até hoje  na Duque de Caxias.

Acho que ele estava a frente de seu tempo com o conceito da Piazza Italia, pelo menos para Joinville.

Propôs fazer  parte das degustações/jantares mensais da CAVES ,mas não seria um membro permanente .

Sugeriu que falasse também com o Mário Boehm (in memoriam) que  já tinha uma confraria em Joinville, a Haja Vinhos.

Fui ao Mario  naquele casarão da JK  e não “deu liga”, pois ele queria só homens e já com conhecimento de vinhos ( Alexandre, mais tarde brinquei várias vezes com seu pai por isso, rsrsrs) .Nossa ideia era reunir casais de amigos para aprimoramento no vinho. Eram outros  tempos, o próprio João Valduga me disse que a ideia  não ia dar certo. Hoje minha mulher  e amigas   continuam gostando muito de vinho.

Assim  nasceu a CAVES em 2002  na Piazza Itália que está firme e forte há  22 anos com vinho, gastronomia e amizade  com cerca de 20/24 integrantes.

Os primeiros 6 a 7 encontros foram no Milano e depois saíamos  para prestigiar outros lugares mas sempre a gente acabava  retornando após “puxões de orelha” do Moacir, rsrsrs.A Piazza Itália era nosso lugar preferido.

Convivi com Moacir  mais na década de 90 até cerca de 2010, sempre dentro da comunidade italiana que  regia com maestria, liderança e carisma natos.

No final dos anos 80  fui a trabalho na Italia.Após, Odete foi me encontrar em Milão e fomos para  o Veneto e Trento para uns dias de férias.

Moacir  me deu várias dicas ali do Norte da Itália e inclusive fomos jantar em restaurante de  parente dele em Belluno, não muito distante da Vazzola de meus nonos.

 A Associazione  Vêneta na Anita num imóvel do Moacir onde depois seria a Piazza Itália  era um dos nossos pontos de encontro na década de 90.

Sob a sua batuta  em 95 surgiu o Círculo Italiano di Joinville. Lembro que nos reunimos em cerca de 10 pessoas  e assinamos a ata de fundação, para atender aos trâmites jurídicos iniciais.Venetos,Trentinos e de outras regiões foram contemplados no mesmo guarda-chuva.Quem conhece a história da unificação da Itália que durou até 1870 sabe que precisava  de muita competência do Moacir  para  construir esta união….

No início deste século veio a inauguração da sede própria do Círculo . Ali mostrou toda a sua capacidade de aglutinar e motivar pessoas, do empresariado a comunidade italiana de Joinville.Foi o presidente por 14 anos seguidos.

Fizemos mensalmente muita festa    regada  a vinho e polenta, que se estende até hoje.

Entre os encontros inesquecíveis  ressalto o do “maiale”(porco),cuja festa  ele  orquestrava.

Era um dia inteiro para matar o porco, processar as carnes,fazer linguiça,etc. Um batalhão de gente trabalhando,muita  comida com a carne do porco ( atenção para o ponto do torresmo!), bebida,mora,bocha,musica…..

Outra festa memorável foi no salão paroquial de  Ribeirão Café em Rio do Oeste, onde ele nasceu ( eu nasci nas proximidades, mas já em Laurentino). Era a comemoração de  seus 50 anos, com embutidos pendurados pelo teto,  música,comida,bebida e muita disputa de mora.

Era lindo ver aquelas pessoas  todas irmanadas neste jogo, do  colono das arrozeiras ao  empresario. Foi o  grande incentivador  da mora na  comunidade italiana.

Fomos na festa num  ônibus da Gidion cheio de seus amigos.Lembro-me bem do Tião Cabeleireiro que também estava lá  (cortava o cabelo de todos!) .

Fui na sacristia da igrejinha e catei uma caixa de velas vazia (ou será que tirei as velas da caixa?) e usei como colchão debaixo de uma árvore para descansar após o almoço. E o Tião literalmente botou fogo no meu colchão para que acordasse! rsrsrs.

Conto aqui alguns “causos” só para relembrar como estes tempos foram bons.

 Ele era o grande maestro da italianidade : idealizador, criativo,entusiasta e apaixonado por tudo que fazia.

A Vin Vêneto “raiz” dos anos iniciais era espetacular e ali sempre a De Marseille  montava stand para divulgar os  vinhos da Valduga e dos importados, lado a lado com a  San  Michele  do Silnei de Rodeio ( hoje San Michelle faz belos vinhos finos, além daqueles vinhos de mesa de outrora).

Havia um ótimo grupo musical já no Círculo. Mas Moacir sempre falava que faltava um coral .

Assim, criamos e participamos minha esposa e eu com amigos do coral Mazzollin di Fiori.A gente cantava nos muitos eventos italianos de Joinville e região. Tinha uma  vaquinha para ajudar  a pagar o Catafesta (gaiteiro), o Sérgio (Violão) e o Moisés (maestro).

Cantamos com este coral na Piazza a quatro vozes na inauguração da estátua da Anita Garibaldi, quando o Bogo trouxe o Adílcio Cadorin,  historiador, escritor e ex prefeito de Laguna, que acabara de lançar o livro sobre a Anita, da qual era especialista.

Vale também destacar que desenvolvi a carta  de vinhos   nacionais e importados para os restaurantes da Piazza Itália e tudo o que girava em torno do vinho. Depois a  sua filha Nicole se formou  sommelière de vinhos e assumir  a área .

Ao  longo da convivência no Círculo e na Piazza eu tentei apresentar ao Moacir uvas e estilos de vinhos para seu consumo pessoal, mas  nunca emplaquei um por muito tempo. Fui de Pinot Noir,Merlot,Carmenère, Tannat,depois tentei uns  italianos ….mas nunca cheguei lá, para dizer “é este”.

Na verdade eram mais vinhos  para o restaurante ao invés de vinhos tops para seu consumo. 

Acho  que devia ter apresentado os grandes Amarones do  Vêneto ( talvez um Ca’La Bionda?) com uvas passificadas ou mesmo um Primitivo di Manduria.

Nos últimos 15 anos, ele esteve muito envolvido com seus empreendimentos e tive pouco contato.

Numa ocasião recente fui com Odete e amigos ao Skyglass de Canela (terra do meu amigo Humberto Heidrich, dono da La Charbonnade que a De Marseille representa aqui e o Bogo também conhecia la).

Enviei um áudio ao Moacir elogiando o Museu do Ferro de Passar anexo. Na Piazza em Joinville era uma exposição de objetos físicos.Em Canela foi feito muito profissional e detalhando toda a história desde os primordios da humanidade. O ferro de passar permeia toda a evolução da humanidade. Se você for lá, não deixe de ir neste museu, cria do Moacir. E se der tempo,vá no Skyglass,rsrsrs.

Aquele ferro a brasas da minha infância estava la. Com ele minha nonna Teresa fazia um balé  no ar com os braços abertos para acelerar as brasas incandescentes….

E aí  Moacir me perguntou no áudio como foi a experiência da altura. Falei que gostei mas não eram para mim aquelas cadeirinhas embaixo da plataforma  que ele inventou,com as pernas penduradas no penhasco.Não sei se foi empatia com meu medo, mas ele disse que também não ia….rsrsrs.

No verão passado ele me presenteou com um belo vinho italiano DOC  Primitivo de Manduria da Puglia,Itália e eu retribui com um outro do mesmo calibre de outro produtor. É um vinho de muita qualidade, mas para gostos específicos de pessoas.Tem  muita complexidade e robustez, fruta bem madura,baixa acidez, muita maciez, redondo e com uma leve pitada de açúcar no final de boca. 

Só   tinha apresentado a ele vinhos secos e com certa dose de acidez, com taninos pouco amaciados.

Falou-me que este era o vinho de plantão agora, que sempre tomava com amigos.

 Falhei ao não  detectar este  seu paladar na época.…Devia ter analisado seu passado histórico com licores e aperitivos.

 Numa ocasião na década de 90 fomos convidados para um  jantar na sua casa (numa elevação  próxima da estação de trem) , preparado pelo Martinho (do lado da prefeitura velha) .  Além da comida, o outro  ponto alto da noite foram  os licores.Ele tinha uma incrível coleção deles.Mas o que a gente mesmo provou muito foi o  Sambuca que ele fazia com todo o ritual, colocando encima grãos de café, flambava com uma bela labareda, liberando assim o aroma e sabor do café. Atenção,os grãos do café eram em números ímpares, como manda a tradição .

Alias,  tudo por trás das coisas que ele apreciava tinha uma  historinha…Era um precursor do “storytelling” de hoje,rsrsrs.

Noutro ocasião já mais recente ele me convidou para provar umas amostras de um aperitivo  que ele estava desenvolvendo com o Silnei da San Michele. Dei lá meu pitaco,  acho que sugeri que devia ser com mais amargor pelo meu gosto.

Eu gostava mesmo era do digestivo  Mayerle Boonekamp que ficava ali na Inacio Bastos  que comprava de  caixa direto com o proprietário.Fiz alguma amizade com ele que numa Vin Vêneto da Antártica me emprestou 6 barricas de carvalho para decoração do nosso stand de vinhos.Ele já não usava mais as barricas para fazer o digestivo. 

Acho que o Moacir também andou rondando este digestivo, mas o dono trancava tudo a sete chaves,rsrsrs.

Deixei aqui registrado alguns  bons momentos dos anos que convivemos  com o Moacir no entorno do Círculo Italiano e da  Piazza Itália.

Sem abordar as outras facetas do Moacir, seja na  cultura,na  filantropia  e sobretudo no empreendedorismo.

Suas realizações ficarão para sempre conosco.

 Os frutos de boas sementes permanecem e florescem.